terça-feira, 22 de novembro de 2011

A mais real das fantasias

A passagem da infância para a vida adulta já foi alvo de diversas obras de arte em todos os campos. Entretanto, é no cinema que se encontra uma das mais belas representações desse assunto já criadas. Trata-se do filme A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi, Japão, 2001), considerado a obra-prima do mestre da animação Hayao Miyazaki.

Esse admirável longa-metragem, de aproximadamente duas horas de duração, conta a história de Chihiro, uma garota de 10 anos, infeliz por ter de deixar sua velha escola e seus amigos para trás, uma vez que sua família está mudando de casa. No caminho para o novo lar, seu pai acaba errando o caminho e a família acaba parando em uma estranha cidade, dita um parque temático abandonado.

Apesar das reclamações da menina, os pais insistem em explorar o local, e acabam encontrando um restaurante com um enorme banquete, mas sem ninguém para atendê-los. Mesmo assim, o casal senta-se e começa a devorar a comida vorazmente, contra a vontade de Chihiro, que anseia por sair daquele lugar.  Vendo que seus esforços não estão resultando em nada, a garota vai explorar o local, e encontra um menino que a alerta para ir embora o mais rápido possível.

No entanto, quando Chihiro volta para seus pais, encontra-os transformados em grandes e gordos porcos, uma cena bastante chocante para um filme dito infantil. Dessa forma, a menina se vê imersa em um mundo de espíritos, onde a imaginação de Miyazaki é capaz de surpreender até mesmo aqueles que acham que já viram de tudo.

Da primeira vez que assisti à esse filme, ainda criança, compreender a trama que se desenrola e seu significado mostrou-se uma tarefa bastante árdua, e que não pôde ser executada inteiramente naquela tentativa.

Entretanto, o filme apresenta outro ponto forte além da história, que só pude compreender inteiramente anos mais tarde, que foi responsável por atrair minha atenção: as ilustrações, feitas praticamente em sua completude à mão, com a exceção de algumas cenas onde a computação gráfica é utilizada para dar mais volume às formas.

Os belos cenários e os incríveis personagens são provas da qualidade estética da obra, como aponta Cássio Starling Carlos, do jornal Folha de S. Paulo: em A Viagem de Chihiro, as texturas (nas roupas e nos ambientes), os espaços e perspectivas são tão sofisticados que parecem mais com aquelas imagens que só vemos nos nossos sonhos.”.

Outra qualidade do filme é a primorosa trilha sonora, criada pelo compositor Joe Hisaishi, que trabalhou em vários ourtos filmes de Miyazaki, como Nausicaä of the Valley of the Wind (1984), Castle in the Sky (1986), My Neighbor Totoro (1988), Kiki's Delivery Service (1989), Porco Rosso (1992) e Princess Mononoke (1997), nunca lançados no Brasil. Dentro da coletânea estão algumas das poucas músicas que já me emocionaram profundamente, chegando perto de me fazer chorar.

Apesar de ter parecido confusa no início, depois que revi Chihiro diversas vezes, o enredo tornou-se mais claro, assim como seu significado. Uma de suas características mais interessantes é a falta de vilão, tão comum em outros filmes, acabando com o clássico e simplista embate entre as forças do “bem” e do “mal”, ambos inexistentes no mundo real.

Alem do mais, trata-se de uma história sobre crescer, e sobre as imposições e testes que são impostos à todos no fim da infância. Ao longo do Filme, Chihiro é desafiada diversas vezes, e são esses desafios que resultam na transformação e nas revelações que a menina tem ao final do filme.

Portanto, trata-se de uma obra excepcional, que eu com certeza ainda assistirei muitas vezes, e que, apesar do óbvio víeis fantástico, se aproxima de uma forma inacreditável da realidade.


Pedro de Queiroz Avila